quinta-feira, 5 de junho de 2014

A Disputa do Estelita

Quem mora no Recife deve ter visto nos últimos dias a divulgação da briga que envolve a população e um consórcio de grandes construtoras pelo terreno que fica em frente ao Cais José Estelita, já que a iminente construção de algumas torres residenciais e empresariais causou uma revolta imensa, onde muitos não concordam com o projeto, uma vez que ele tirará da cidade uma das visões panorâmicas mais lindas e deixará um grande espaço verde ocupado por edifícios gigantes.
Acho válida a ação realizada pelas organizações populares, embora perceba que ela foi tardia. Já deveríamos ter cobrado há mais tempo que a Prefeitura do Recife transformasse o local em um lugar realmente público e disponível para toda a população, que perde a cada dia os seus espaços de lazer e fica restrita a pequenas vias de acesso nos finais de semana.
Ainda não sei como o terreno não foi invadido, pois a área é bem grande e facilmente seria ocupada num processo de favelização que ainda não ocorreu e espero que nunca aconteça. Se observarmos bem, o projeto é muito bom, mas peca pelo excesso, uma vez que a dimensão dos edifícios compromete toda a beleza de uma área histórica e que deveria ser preservada para que os moradores da cidade e visitantes lembrassem um pouco de como era a nossa cidade nos tempos mais antigos. Nossa orla na Praia de Boa Viagem já está tomada de edifícios e isso afeta muito a vida de todos nós, já que o ar não circula bem com as imensas barreiras que são formadas pelos edifícios cada vez maiores. Recife tem o seu diferencial no mar, nos rios, na beleza natural e estamos aos poucos perdendo isso para dar espaço a construções predadoras que só interessam a poucos e deixam a grande maioria da população a ver navios, literalmente.
Os galpões e demais espaços do Cais José Estelita eram, até pouco tempo, espaço de assaltos, venda de drogas e abrigo de mendigos. Realmente não poderíamos ficar com esta característica, ainda mais numa cidade que passa por um processo de evolução e desenvolve muito bem a sua área mais antiga, onde grandes obras de melhoria estão sendo feitas para otimizar a beleza que já existia.
O projeto inicial já foi alterado e melhorado, mas mesmo assim a população não aceitou, por considerar que o concreto ainda predomina, não dando espaço para o verde e para a diversão. O espaço é perfeito para um grande parque, pois tem visão privilegiada do Rio Capibaribe. Construir ali um espaço de arte, conveniência e diversão seria a forma mais justa de presentear a população com algo que estivesse acessível a todos, de forma grandiosa e bem central.
Imagino aquele espaço sendo ocupado realmente pelo povo, transformando de vez aquele aspecto abandonado e mostrando que a área pode ser melhorada, sim, mesmo com todos os seus perigos vizinhos e riscos ainda existentes. Passar no Cais José Estelita é perigoso, ainda mais se estivermos a pé, algo só indicado para grupos, já que fazer isso sozinho é a mesma coisa que decretar a sua sentença de assalto ou violência. Basta observar os viadutos ao redor e notar a quantidade de pessoas drogadas que rondam o local em busca de uma vítima ou de um local para aumentar o seu vício.
Na ocupação que ocorreu neste final de semana, vi pessoas com o rosto coberto e uma grande quantidade de indivíduos que estavam confundindo a ocupação cultural com uma ocupação urbana. Todo cuidado é pouco nas negociações que estão ocorrendo e acredito que irão gerar bons frutos, quando ambos os lados deverão chegar a um denominador comum e, assim, decidirem o que fazer num espaço tão disputado.
Se as construtoras pagaram milhões pelo terreno, é lógico e devido que queiram utilizar de alguma forma. Gostei da maneira como tudo está ocorrendo, pois não vimos até o momento nenhuma violência e a negociação foi realizada na Prefeitura do Recife, num gesto claro de educação e sabedoria. Temos que acordar para a realidade, mas isso precisa ocorrer um pouco mais cedo, ainda na geração do problema e não com ele instaurado e com grandes chances de brigas que poderiam ser evitadas facilmente.
O Recife precisa ser ocupado, mas com muito planejamento, pois se continuar da forma como está, teremos uma cidade cada dia mais aglomerada e cheia de problemas urbanos, como um trânsito infernal e muitos alagamentos nos dias de chuva, resultado dos aterros mal feitos e que fazem parte da nossa rotina. 
Pensaram na mobilidade urbana do Cais José Estelita com a construção dos grandes edifícios? 
Acredito que não, pois uma palha não foi movida para facilitar as redondezas e o que era um monte de viadutos continua da mesma forma, gerando poucas possibilidades de melhoria. A única coisa que gostei do projeto foi a remoção da ponte que fica próxima ao Forte das Cinco Pontas, a qual dará espaço a um túnel. Esta ação é realmente válida, pois afasta o mostro de concreto de um prédio histórico e mostra que a cidade pode ter evolução, mas sem esquecer de preservar o seu passado, tão importante para o significado presente.
O "#Ocupeestelita" não deve ser somente mais um movimento bonitinho nas redes sociais, mas sim a consciência da população do Recife em buscar melhorias realmente válidas e acessíveis a todos, sejam eles ricos ou pobres. Nossa cidade precisa ganhar espaços públicos que realmente valham a pena o passeio e sejam especiais e de grande destaque.
Essa disputa ainda vai gerar muitas conversas... Vamos aguardar o avanço disso e torcer para o melhor acontecer.

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