domingo, 8 de abril de 2012

Não Mexe Comigo


Não mexe comigo, não mexe comigo, que eu não ando só
Eu não ando só
Não mexe, não
Eu tenho zumbi dos palmares, tenho besouro, o chefe dos tupis
Sou tupinambá
Tenho os erês, caboclo-boiadeiro, mãos-de-cura, morubixabas, cocares, arco-íris, zarabatanas, curare, flechas e altares
Tenho a velocidade da luz, o escuro da mata escura, o breu, o silêncio, a espera
(o tempo sempre a meu favor)
Todos os pajés em minha companhia
O menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos, o poeta português me contou
Não misturo, não me dobro
A rainha do mar anda de mãos dadas comigo. Me ensina o baile das ondas e canta, canta canta para mim
É do ouro de oxum que é feita a armadura que guarda o meu corpo, garante meu sangue, minha garganta. O veneno do mal não acha passagem
Me sumo no vento,  cavalgo no raio de iansã, giro o mundo
Viro, reviro, vôo entre as estrelas
Vou além
Me recolho no esplendor das nebulosas, descanso nos vales, montanhas, durmo na forja de ogum guerreiro
Rezo com as três marias no céu
Mergulho no calor da lava dos vulcões: corpo vivo de xangô
Não ando no breu nem ando na treva
Medo não me alcança
No deserto (sozinho, apenas comigo mesmo) me acho
Faço cobra morder o rabo, faço escorpião virar pirilampo
Fulminar aquele que é injusto, aquele que maltrata, aquele que transforma a vida nas mazelas a que assistimos no dia-a-dia:  tu, pessoa nefasta!
(eu não provo do seu fel, eu não piso o seu chão, e para onde você for, pessoa nefasta, não leva meu nome, não)
Onde vai, “valente”?
Você, pessoa nefasta, secou
Seus olhos insones secaram. Seus olhos não vêem brotar a relva que cresce livre e verde, longe da sua cegueira
Seus ouvidos se fecharam a qualquer som. O próprio umbigo é a única coisa que interessa
Tu, estás tão mirrada, que nem o diabo te ambiciona: não tens alma
Tu, pessoa que corrompe a vida, pessoa que coloca na boca dos seus semelhantes o gosto de terra e sangue, és o oco do oco do oco do “sem fim” do mundo.
Um nada
(o que é teu  já está guardado. Não sou eu quem vou te dar. É a vida e sua reviravolta ante tantos maus tratos propagados por ti. Trata-se da lei da ação e re-ação)
Eu posso engolir você,  só para cuspir depois.
Minha fome é matéria que você não alcança: desde o leite do peito de minha mãe, mulher sempre linda e benvinda, até o sem fim dos versos, versos, versos que brotam no poeta, versos, versos, versos que brotam em toda poesia
Se choro, e quando choro e minha lágrima cai, é para regar o capim que alimenta a vida
Chorando eu refaço as nascentes que você secou
Se desejo, o meu desejo faz subir marés de sal e sortilégio
Vivo de cara para o vento, na chuva, e quero me molhar
Sou como a haste fina: qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta
Não mexe comigo
Não mexe comigo, que eu não ando só
Eu não ando só
Não mexe, não


Texto: “Carta de Amor”
Autoria: Maria Bethânia 
Extraído do álbum "Oásis de Bethania"

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